terça-feira, setembro 28, 2004

Ando numa de poesia

Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
Pousa a tua mão na minha
E, sem me olhares, sorri.

Sorri do teu pensamento
Porque eu só quero pensar
Que é de mim que ele está feito
E que o tens para mo dar.

Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim...
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?

Fernando Pessoa

quarta-feira, setembro 22, 2004

sexta-feira, setembro 10, 2004

A mulher que passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida?
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Vinícius de Moraes, Novos Poemas

Bella

Bella,
como en la piedra fresca
del manantial, el agua
abre un ancho relámpago de espuma,
así es la sonrisa en tu rostro,
bella.

Bella,
de finas manos y delgados pies
como un caballito de plata,
andando, flor del mundo,
así te veo,
bella.

Bella,
con un nido de cobre enmarañado
en tu cabeza, un nido
color de miel sombría
donde mi corazón arde y reposa,
bella.

Bella,
no te caben los ojos en la cara,
no te caben los ojos en la tierra.
Hay países, hay ríos
en tus ojos,
mi patria está en tus ojos,
yo camino por ellos,
ellos dan luz al mundo
por donde yo camino,
bella.

Bella,
tus senos son como dos panes hechos
de tierra cereal y luna de oro,
bella.

Bella,
tu cintura
la hizo mi brazo como un río cuando
pasó mil años por tu dulce cuerpo,
bella.

Bella,
no hay nada como tus caderas,
tal vez la tierra tiene
en algún sitio oculto
la curva y el aroma de tu cuerpo,
tal vez en algún sitio,
bella.

Bella, mi bella,
tu voz, tu piel, tus uñas
bella, mi bella,
tu ser, tu luz, tu sombra,
bella,
todo eso es mío, bella,
todo eso es mío, mía,
cuando andas o reposas,
cuando cantas o duermes,
cuando sufres o sueñas,
siempre,
cuando estás cerca o lejos,
siempre,
eres mía, mi bella,
siempre.

Pablo Neruda, Los Versos del Capitán

quinta-feira, setembro 09, 2004

Os meus 15 minutos

Voltando à mesma história, adoro acordar de manhã, com o primeiro despertador, e voltar a adormecer.
Esse espaço de tempo, entre um acordar e o outro, é o mais produtivo de todos. Nesses parcos minutos posso ser o que quero. São esses os sonhos de que me lembro melhor.
Por não ser um sonho profundo, vejo-os como se os estivesse a viver. Alguns (por sinal bastantes), até os consigo controlar.
Já tive sonhos que duraram dias inteiros nesses quinze minutos.
Já tive sonhos em que era o delfim da Atlântida, numa cidade fantástica, com grandes edifícios envidraçados, de cúpulas douradas, a saír da água e a olhar em direcção ao céu. Debaixo do mar, grandes cúpulas de vidro protegiam torres tétricas, feitas com traços de Gaudí (devo ter lido “A Cidade Que Não Existia” de Bilal nessa noite).
Já tive também sonhos em que, no meio de uma escura viela, debaixo de um único candeeiro de rua aceso, fui atacado pelo professor de ITI do 12º ano. A turma era dividida em duas para esta cadeira, e quem me atacou foi o professor da outra metade (?)!
Já estive a bordo de uma nave, minúscula, a voar pela minha casa, e a tentar fugir a um gato que não tenho.
Já corri, rua fora, para me aperceber que, dando passadas cada vez maiores, conseguia voar. E voei... Vi Lisboa, pelos meus olhos, sem uma janela de avião à minha frente. Corri o mundo a voar, e acordei muito bem disposto.
Acabo por aqui, apenas para explicar qua aqueles 15 minutos são do melhor qua há.
Levanto-me então, ainda a pensar no sonho; tomo banho a pensar em modos de continuar as aventuras recentemente vividas; como um pequeno almoço de rei, de vítima, ou semi-deus.
Saio à rua, para ir trabalhar, vejo a Estrada de Benfica em todo o seu esplendor, os autocarros e as mesmas caras de lutas diferentes, os mesmos rostos tristonhos que não acreditam num dia melhor, e sinto-me vazio.

sexta-feira, setembro 03, 2004

Matraquilhices

Estava eu a na minha habitual ronda pelos blogues favoritos... E eis senão quando (esta expressão apraz-me) leio isto: “Ao olhar-lhe para o rosto, para o cabelo penteado, para a camisa de riscas, para a gravata sóbria, ao sentir-lhe o cheiro enjoativo do perfume caro, ao lembrar-me do seu reluzente BMW azul escuro, percebi que aquele homem só podia gostar de música certinha, aborrecida como ele próprio. Música chata. Muito chata. Sei lá, qualquer coisa do tipo Dire Straits ou Pink Floyd.”
Como devem imaginar fiquei parvo. O estilo mete-nojo é-me conhecido: é o típico jurista que tinha notas boas na Faculdade, e por causa disso é o Rei do Mundo. Eu também os conheço, tenho aulas com eles.
Agora confundir essa espécie de avis rara com um admirador de Dire Straits e Pink Floyd, não posso deixar passar. E olha que até gosto de Ségio Godinho.
Música certinha? Qual deles? O único grupo que conseguiu vender discos de rock and roll (e uso esta expressão com toda a carga positiva que ela tem) numa altura em que quem vendia eram os que usavam calças à boca de sino e colarinhos grandes? Gostas de disco? Ou é certinho?
Ou o grupo que redifiniu a maneira de ver a música? Os impulsionadores do rock sinfónico? Conheces bem Pink Floyd? Porque é que dizes que é certinho? Porque é melodioso? Ou porque têm letras com sentido? Se não conheces bem, ouve músicas do início da banda. Ouve as músicas que o Syd Barrett fez.
Nem Dire Straits nem Pink Floyd são certinhos.
Quando ao facto de dizeres que têm música aborrecida e chata, é porque não deves conhecer bem. E quanto a isso não me pronuncio, senão ninguém me cala.
Não leves isto como um ataque pessoal, o Sérgio Godinho está para ti como os Dire Straits e Pink Floyd estão para mim.
Além disso: exceptuando Los Hermanos que não conheço, e Caetano Veloso que não vou mesmo à bola com ele, gosto de tudo o que tens aí. Mesmo.

P.S.: Já vi muitos tipos desses na fnac, e tenho uma coisa dizer-te: o que eles gostam é Manowar (não sei se é assim que se escreve isto), Megadeth, AC/DC, and so on, and so on...

quarta-feira, setembro 01, 2004

Soneto da Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Estoril - Portugal, 10.1939
Vinícius de Moraes, Poemas, sonetos e baladas